Precisamos de uma Ordem dos Médicos que não temos. Uma Ordem empenhada na defesa da carreira médica, dos utentes e do SNS. Uma Ordem ao lado dos médicos e médicas mais jovens e precárias. Uma Ordem protagonista na defesa do serviço público de saúde e insubmissa aos grandes interesses financeiros. Uma Ordem próxima dos utentes e aberta à sociedade, que rompa com o conservadorismo e o elitismo. Uma Ordem que combata a discriminação de profissionais e utentes em função de racismo, sexismo, homofobia ou transfobia.
1. SNS: a garantia da Saúde
Cabe ao SNS garantir a universalidade do acesso à Saúde. Proteger o serviço público é defender o exercício humanista da medicina. O SNS está sob ataque: desinvestimento, degradação de estruturas e equipas, predação pelo privado. Este é o maior desafio que muitos médicos enfrentam hoje.
Propostas
- Participar na definição de uma estratégia nacional de recursos humanos para o SNS.
- Defender a criação do processo clínico eletrónico único, unificando e simplificando os sistemas de informação, colocando hospitais, cuidados primários e Rede Nacional de Cuidados Continuados em rede.
- Promover a eleição dos representantes dos médicos nos órgãos de gestão dos hospitais e ACES.
- Exigir investimento público em promoção da saúde e prevenção da doença, para além dos atuais 1%.
2. Carreiras médicas: a certeza de qualidade nos cuidados médicos
O Relatório das Carreiras Médicas, produzido em 1961 na Ordem dos Médicos, foi um pilar essencial na criação do Serviço Nacional de Saúde. Precisamos, hoje, de retomar essa inspiração e essa força para defender as carreiras médicas, como estruturantes da qualidade da prestação de cuidados médicos.
Propostas
- Permitir o acesso à carreira médica desde o início do internato: valorizada, com progressão, avaliada entre pares e compatível com atividade clínica, científica e pedagógica.
- Defender a implementação da carreira médica no setor privado e social.
- Combater toda a precariedade no SNS e nos setores social e privado.
- Defender o ato médico, baseado no método científico e no pensamento crítico.
- Criar tempo e remuneração para formação e atividade científica.
- Dar acesso gratuito às plataformas de apoio à decisão clínica e outras atividades de atualização formativa ao longo da carreira.
- Pugnar pela dedicação exclusiva obrigatória para os diretores de serviço e voluntária para os restantes médicos e médicas, com forte majoração do salário e preferência no acesso aos órgãos de gestão, em regime compatível com carreira científica e de ensino.
- Avaliar os modelos de médico-cientista em curso noutros países da União Europeia e negociar cm o governo uma nova carreira que valorize a ciência criada pelos médicos
3. Nenhum/a médico/a sem acesso à especialidade
Só com prática especializada pode a Medicina assegurar qualidade. Temos hoje mais de 4.000 médicos e médicas sem acesso ao internato médico e todos os anos se acumulam mais algumas centenas. A desvalorização do trabalho dos médicos sem especialidade é uma corrida para o fundo: quanto mais barato e descartável for o trabalho de um médico ou uma médica sem especialidade, mais barato e descartável será o trabalho de um especialista. Para haver mais capacidade formativa, é urgente a contratação de médicos especialistas, mediante carreiras e condições atrativas.
Propostas
- Profissionalizar a atividade de aferição de capacidades formativas dos médicos e médicas e dos colégios de especialidade, defendendo a inclusão dessa atividade no horário de trabalho ou com remuneração extraordinária e contagem do tempo de serviço.
- Disponibilizar, em plataforma digital, informação permanente sobre as capacidades formativas, os critérios utilizados e as avaliações realizadas, para assim criar mais transparência e uniformização na aferição das vagas.
4. Os internos são essenciais nos serviços de saúde
Atualmente, ser médico interno significa baixos salários, horários desumanos e precariedade. Mas os médicos internos asseguram escalas e são fundamentais para o funcionamento das urgências e dos serviços do SNS e do setor privado.
Propostas
- Permitir o acesso à carreira médica, logo no início do internato, aliás tal e qual como previa o relatório das carreiras médicas já nos anos 60.
- Criar uma certificação para a função de Orientador de Formação e exigir a generalização da remuneração para o seu exercício.
- Defender a generalização da inclusão das atividades científica e pedagógica no horário de trabalho.
- Criar um mecanismo de denúncia (anónima ou nominal) de abusos laborais e assédio no trabalho, que permita aos médicos e médicas mais precários, mais vulneráveis ou mais jovens defenderem-se, sem verem a sua carreira prejudicada. Este mecanismo deve funcionar em coordenação com os conselhos disciplinares.
- Implementar a gratuitidade da inscrição na Prova Nacional de Acesso.
- Reduzir em 50% o valor das quotas de inscrição e das quotas pagas pelos médicos internos.
5. Uma Ordem ao serviço dos/as médicos/as
Ser Bastonário da Ordem dos Médicos não pode ser um prémio de carreira, reservado a uma elite que se movimenta em círculo fechado. A Ordem é um instrumento para melhorar a qualidade dos cuidados de saúde em Portugal, melhorando as condições em que médicos e médicas exercem a sua atividade profissional. A formação ao longo da vida e a avaliação contínua é uma das prioridades desta candidatura.
Propostas
- Criar de uma "escola de liderança" cujo objetivo é formar médicos com responsabilidade de gestão. Em paralelo criar um "colégio" de dirigentes que congregue médicos diretores / coordenadores, que permita troca de conhecimentos sobre diferentes realidades locais e que os avalie na sua ação dirigente.
- Disponibilizar uma plataforma digital de curriculum vitae, no qual todos os médicos e médicas poderão colocar as suas atividades formativas em tempo real, que possa ser utilizado em concursos públicos e exames de especialidade.
- Reestruturar os serviços da Ordem, implementar e generalizar os serviços digitais a custo zero.
- Iniciar o processo de recertificação dos médicos e das médicas especialistas, baseado nas carreiras médicas.
- Criar o BI-Médicos, uma plataforma digital com dados atualizados sobre os médicos e médicas a trabalhar em Portugal, os seus locais de trabalho e o tipo de contratos.
- Avaliar os eventos científicos realizados em Portugal, e classificá-los quanto à sua validade para a formação médica.
- Dar cumprimento à lei das associações públicas profissionais e criar o provedor do utente dos serviços de saúde.
- Dotar os colégios da especialidade de autonomia executiva e financeira, permitindo a gestão profissionalizada das suas atividades, como a avaliação de serviços, a organização dos exames de especialidade ou as auditorias.
- Rever o sistema de processamento de queixas, privilegiando a digitalização e a rapidez na avaliação dos processos.
6. USF modelo B para todos, menos utentes por cada médico de família
O modelo “USF” tem demonstrado bons resultados para os doentes e maior satisfação dos profissionais e utentes. No entanto, as limitações na passagem de UCSP a USF ou de USF modelo A para USF modelo B impostas a nível central, tal como a imposição de listas de 1900 utentes pelo governo da troika, têm dificultado o sucesso generalizado desta reforma. A pandemia veio mostrar a brutal carga de trabalho e burocracia a que os médicos de família estão sujeitos. Temos hoje uma grande dificuldade em fixar especialistas no SNS e mais de um milhão de utentes sem médico de família.
Propostas
- Defender a generalização do modelo USF a todo o país: mais unidades e eliminação das quotas de criação de USF e de progressão de modelo A para B.
- Redimensionar as listas de utentes de forma a assegurar a qualidade na prestação dos cuidados de saúde, bem como acessibilidade em tempo útil ao médico de família.
- Desburocratizar a atividade do Médico de Família.
- Oposição à atribuição de utentes a médicos sem a especialidade de medicina geral e familiar.
- Reforçar as equipas multidisciplinares de saúde mental, saúde oral e reabilitação nos cuidados de saúde primários: mais psicólogos, dentistas e fisioterapeutas para resposta imediata a situações urgentes, prevenindo o agravamento de doenças e posteriores internamentos.
7. Combater a discriminação nos serviços de saúde, sobre os utentes e médicos
A Ordem dos Médicos tem sido um bastião do conservadorismo em Portugal. Recusa falar sobre discriminação nos cuidados de saúde, refugiando-se no código deontológico. Mas para combater a discriminação na saúde não bastam palavras, são precisas ações concretas. Basta pôr os olhos na Associação Nacional de Estudantes de Medicina, que se tem empenhado em produzir materiais e ações junto dos estudantes e restante população, no sentido de prevenir o sexismo, o racismo, a homofobia e a transfobia. Queremos que a Ordem seja um referencial de Direitos Humanos e não uma estrutura cristalizada no século passado.
Propostas
- Criar uma comissão de combate à discriminação sexista, racista e LGBTIfóbica, que receba queixas, investigue e proponha sanções aos conselhos disciplinares e que elabore um relatório anual sobre a discriminação de médicos e utentes nos cuidados de saúde.
- Condenar as “terapias de conversão” de pessoas LGBTI+ (por serem contrárias à legis artis) e aplicação de sanções disciplinares a quem as pratique, incluindo a expulsão.